Por Antonio Carlos Costa
Acabei de receber a notícia de que 11 presos, que encontravam-se na Polinter de Neves, no município de São Gonçalo, fugiram na madrugada dessa segunda-feira. Meu ponto de vista: na verdade escaparam poucos. Não lhes restava alternativa, exceto, fugir. Deixe-me explicar o que não estou querendo dizer.
Não estou dizendo que ninguém deve ser preso. A natureza humana não comporta mundo sem prisão. Muito menos estou afirmando que encontram-se naquele lugar rapazes que, devido à falta de oportunidade na vida, podem ser justificados de certos crimes que cometeram. Não deixo também de reconhecer a ameaça que representa para a sociedade o retorno de alguns deles para a rua.
O histórico de fuga de presos das carceragens da Polícia Civil é surpreendentemente baixo. As condições de trabalho dos policiais civis que atuam nesses lugares é péssima. As carceragens são frágeis. Esses homens têm que manter a ordem de dezenas de celas superlotadas, trabalhando em número desproporcional à quantidade de presos, exercendo sua atividade em ambientes insalubres. Em Neves, por exemplo, há ocasião de dois policiais apenas terem que cuidar de 800 presos.
Se você estivesse preso naquele lugar, certamente, aproveitaria a primeira oportunidade para fugir. A não ser que você visse, o sofrimento auto-imposto, como forma de se livrar do tormento de consciência. A decisão voluntária de não procurar escapar do purgatório estatal. Com a desvantagem de não haver venda de indulgência, uma vez que -por causa do perfil social de quem para naquele lugar-, não há quem interceda pela sua vida do lado de fora. A Polinter representa uma das mais graves violações dos direitos humanos no nosso país e menosprezo à Constituição Federal do Brasil. Uma pedrada no conceito de santidade da vida humana, uma cusparada na Constituição Federal. É algo tão absurdo, que a partir do contato com sua realidade, somos levados a crer que, o conceito de pacto social é uma grande mentira e trama diabólica administrada por quem detém o poder no Brasil.
Naquele lugar jazem homens que habitam em celas onde mal se pode respirar, tanto devido à quantidade de preso por metro quadrado, quanto à falta de ventilação. O calor chega a 57 graus Celsius no verão. Cárceres com 13 camas recebem 80 presos, tendo ao seu dispor um único banheiro. Proliferam nesses ambientes sarna, furunculose, doenças respiratórias, problemas gastrointestinais. Há casos, do preso chegar, ver e entrar em pânico. Bater a cabeça na parede e surtar, tamanho o desespero que aquela masmorra medieval causa nos que são jogados num lugar que um dia serviu de estábulo.
As perguntas que se impõem são as seguintes: faz sentido a Constituição Federal ser cumprida? O que acordamos como cidadãos, vale ou não vale? Podemos mostrar as imagens da Polinter de Neves no exterior e nos orgulharmos de sermos brasileiros? Pode-se esperar que os presos saiam daquele lugar para serem perfeitamente integrados à vida em sociedade? É bom para a segurança pública torturar o preso? O que faríamos se, por uma dessas desgraças da vida, um filho nosso parasse ali? Faz sentido usarmos a lei para lançarmos alguém num lugar que representa descumprimento crasso da lei?
Há um ano e meio faço trabalho voluntário em Neves. Aquele lugar marcou minha vida para sempre. Quando o conheci pela primeira vez, acordava no meio da madrugada sobressaltado com aqueles rostos pálidos e vozes angustiadas na minha mente. O vapor fétido que sai dos cárceres, o lixo, o suor, o choro, o arrependimento, a banalização da vida, o confinamento, o abandono. Ali perdi o respeito pelo Estado.
Todos sabem o que acontece em Neves. O movimento que presido levou para aquele lugar a BBC de Londres, a rede de televisão Al Jazeera, a TV Brasil. Fomos primeira página no jornal O Globo, que apresentou foto da mão de um dos nossos voluntários, portando dentro da cela, um termômetro, apontando a temperatura de 56.7 graus Celsius. Gravei vídeos, escrevi para jornal, dei entrevistas, e nada. Absolutamente nada. Não sei como a autoridade pública que tem acesso a informação, que conhece toda a história da saga da humanidade em busca de relações sociais mais justas -Magna Carta, Revolução Francesa, Declaração de Independência dos Estados Unidos, derrota do Nazismo, colapso da ditadura comunista stalinista, Declaração Universal dos Direitos Humanos-, permite a existência dessa vergonha para o Estado que sediará os Jogos Olímpicos de 2016.
Agora, um fato novo. Presos fogem. Estão na rua novamente. Sentimos medo. Deveríamos, antes, ficar com medo do que um dia trará vergonha a todos nós: a indiferença criminosa de uma sociedade e de um governo que ainda não entenderam o significado da palavra democracia.
Antônio Carlos Costa
Presidente do Rio de Paz
Não estou dizendo que ninguém deve ser preso. A natureza humana não comporta mundo sem prisão. Muito menos estou afirmando que encontram-se naquele lugar rapazes que, devido à falta de oportunidade na vida, podem ser justificados de certos crimes que cometeram. Não deixo também de reconhecer a ameaça que representa para a sociedade o retorno de alguns deles para a rua.
O histórico de fuga de presos das carceragens da Polícia Civil é surpreendentemente baixo. As condições de trabalho dos policiais civis que atuam nesses lugares é péssima. As carceragens são frágeis. Esses homens têm que manter a ordem de dezenas de celas superlotadas, trabalhando em número desproporcional à quantidade de presos, exercendo sua atividade em ambientes insalubres. Em Neves, por exemplo, há ocasião de dois policiais apenas terem que cuidar de 800 presos.
Se você estivesse preso naquele lugar, certamente, aproveitaria a primeira oportunidade para fugir. A não ser que você visse, o sofrimento auto-imposto, como forma de se livrar do tormento de consciência. A decisão voluntária de não procurar escapar do purgatório estatal. Com a desvantagem de não haver venda de indulgência, uma vez que -por causa do perfil social de quem para naquele lugar-, não há quem interceda pela sua vida do lado de fora. A Polinter representa uma das mais graves violações dos direitos humanos no nosso país e menosprezo à Constituição Federal do Brasil. Uma pedrada no conceito de santidade da vida humana, uma cusparada na Constituição Federal. É algo tão absurdo, que a partir do contato com sua realidade, somos levados a crer que, o conceito de pacto social é uma grande mentira e trama diabólica administrada por quem detém o poder no Brasil.
Naquele lugar jazem homens que habitam em celas onde mal se pode respirar, tanto devido à quantidade de preso por metro quadrado, quanto à falta de ventilação. O calor chega a 57 graus Celsius no verão. Cárceres com 13 camas recebem 80 presos, tendo ao seu dispor um único banheiro. Proliferam nesses ambientes sarna, furunculose, doenças respiratórias, problemas gastrointestinais. Há casos, do preso chegar, ver e entrar em pânico. Bater a cabeça na parede e surtar, tamanho o desespero que aquela masmorra medieval causa nos que são jogados num lugar que um dia serviu de estábulo.
As perguntas que se impõem são as seguintes: faz sentido a Constituição Federal ser cumprida? O que acordamos como cidadãos, vale ou não vale? Podemos mostrar as imagens da Polinter de Neves no exterior e nos orgulharmos de sermos brasileiros? Pode-se esperar que os presos saiam daquele lugar para serem perfeitamente integrados à vida em sociedade? É bom para a segurança pública torturar o preso? O que faríamos se, por uma dessas desgraças da vida, um filho nosso parasse ali? Faz sentido usarmos a lei para lançarmos alguém num lugar que representa descumprimento crasso da lei?
Há um ano e meio faço trabalho voluntário em Neves. Aquele lugar marcou minha vida para sempre. Quando o conheci pela primeira vez, acordava no meio da madrugada sobressaltado com aqueles rostos pálidos e vozes angustiadas na minha mente. O vapor fétido que sai dos cárceres, o lixo, o suor, o choro, o arrependimento, a banalização da vida, o confinamento, o abandono. Ali perdi o respeito pelo Estado.
Todos sabem o que acontece em Neves. O movimento que presido levou para aquele lugar a BBC de Londres, a rede de televisão Al Jazeera, a TV Brasil. Fomos primeira página no jornal O Globo, que apresentou foto da mão de um dos nossos voluntários, portando dentro da cela, um termômetro, apontando a temperatura de 56.7 graus Celsius. Gravei vídeos, escrevi para jornal, dei entrevistas, e nada. Absolutamente nada. Não sei como a autoridade pública que tem acesso a informação, que conhece toda a história da saga da humanidade em busca de relações sociais mais justas -Magna Carta, Revolução Francesa, Declaração de Independência dos Estados Unidos, derrota do Nazismo, colapso da ditadura comunista stalinista, Declaração Universal dos Direitos Humanos-, permite a existência dessa vergonha para o Estado que sediará os Jogos Olímpicos de 2016.
Agora, um fato novo. Presos fogem. Estão na rua novamente. Sentimos medo. Deveríamos, antes, ficar com medo do que um dia trará vergonha a todos nós: a indiferença criminosa de uma sociedade e de um governo que ainda não entenderam o significado da palavra democracia.
Antônio Carlos Costa
Presidente do Rio de Paz